Chico Cascateiro Francisco da Silva Reis, conhecido como Chico Cascateiro, português, veio para o Brasil no início do século XX, com os fluxos migratórios do período. Acredita-se que ele teria saído do porto de Leixões, em Portugal, e viajado para o Brasil no vapor Rosseti e chegado no dia 27 de outubro de 1907, com 41 anos. Era um artista naturalista, que seguia a arte naturalista muito difundida na Europa do século XIX, com representações do paraíso nas esculturas em parques, jardins e praças.
Os parques urbanos ocidentais, criados no século XIX, acompanham ideais oitocentistas do sublime e do belo, associados tanto ao romantismo como à noção do pitoresco, que se opunham à arte, à arquitetura e ao paisagismo barrocos.
A estética pitoresca designava tipos de construções como castelos, ruínas, pontes e paisagens de barcos à vela, moinhos de vento, montanhas e florestas. Esses elementos eram designados como pitorescos e remetiam um sentimento de naturalidade relacionado simbolicamente a valores românticos dos séculos XVIII e XIX, principalmente na Inglaterra e França. Acompanhando esse ideal de beleza, a natureza era vista como sublime e deveria ser recriada para contemplação e admiração. Assim, os jardins passaram a ser compostos por elementos habituais com exóticos, tais como cascatas, grutas e pavilhões.
Os jardins públicos que passaram a ser criados privilegiavam a sinuosidade dos caminhos, as árvores frondosas que formavam bosques junto a gramados, ruínas e pontes, lagos, ilhas, riachos, cascatas, confeccionados por cimento armado, os rocailles. Esses elementos decorativos para jardins e parques eram produzidos por habilidosos artesãos que trabalhavam em argamassa e imitavam madeira, pedra, pequenos insetos, bancos, cascatas, dentre outros, tendo como principal característica falsear elementos naturais e foram considerados obras de arte ou obras rústicas.
Na França, esses artistas ficaram conhecidos como rocailleur, profissional artesão ou pedreiro que trabalha em cascatas. Já em Portugal ficaram conhecidos como cascateiros, termo ainda hoje usado para os artesãos que fabricam miniaturas de cascatas.
Os imigrantes que chegaram ao Brasil na segunda metade do século XIX tiveram atuação fundamental na introdução dessa prática de recriação de cenários pitorescos nos jardins praças e parques do país. E aqui ficaram conhecidos como cascateiros ou pedreiros rochistas.
No Rio de janeiro foi onde viveu a maior parte desses artistas, mas foi no sul de Minas Gerais que viveu e trabalhou o artista de imenso sucesso na decoração de jardins, praças e parques da região, Francisco da Silva Reis, o Chico Cascateiro, como ficou conhecido. Seu trabalho foi encontrado nas cidades de Caxambu, Carmo de Minas, Passa Quatro, Cristina, Maria da Fé e em uma fazenda em Itajubá, sempre com a mesma técnica de falseamento da natureza em cimento armado. Há registros no jornal de Caxambu e na Folha Nova de Carmo de Minas do trabalho de Chico Cascateiro. Em Caxambu, as obras localizam-se principalmente no Parque das Águas e na Praça da Cidade. No Parque, suas obras datam de 1913 a 1918 e constituem bancos, caramanchões, um miradouro com cascata e lago, casa de máquina, quiosque, pontes, dentre outros. Na Praça 16 de Setembro há um pontilhão de concreto armado sobre o Ribeirão Bengo, bancos góticos, uma cascata junto ao coreto, além da fonte, um bloco de pedra rodeado por um pequeno lago.
Em Carmo de Minas, na praça principal da cidade, com a construção de bancos de cimento armado com grande originalidade[1], que imitavam troncos caídos e com encostos que se assemelhavam a bambus circundados por cipós retorcidos. Houve também a construção de um coreto com uma cascata artificial e um poste semelhante a um tronco de árvore. Apesar dessas inúmeras obras, apenas o coreto ainda existe na cidade, pois as outras obras foram demolidas. Na cidade de Cristina, Chico Cascateiro participou da reforma do jardim da praça Santo Antônio, onde construiu um pedestal para a escultura de um leão e uma fonte, chamada Peixinho. Em Baependi, construiu um chafariz na Praça Monsenhor Marcos, com bordas em rocaille. A obra do artista em Passa Quatro está na praça central da cidade, onde construiu um pavilhão para a fonte de água, bancos com imitação de troncos, em parceria com o estucador português José Antônio Faustino. Em Maria da Fé foi realizada uma obra na igreja Nossa Senhora de Lourdes e em algumas residências. Na mesma época, trabalhou nos jardins da Fazenda Goiabal em Itajubá (MAGALHÃES, 2017).
A obra de Chico Cascateiro se destaca pela reprodução de detalhes da natureza, como cogumelos, bambus, insetos troncos e cipós. Os cipós e troncos reproduzidos por ele se espelham nas espécies tropicais com texturas rugosas, dando um caráter excepcional e exótico às suas obras. Utilizava em suas obras estrutura de alvenaria de tijolo e ferro, modelados com cimento armado e com aplicação de pigmentos naturais para coloração. Segundo pesquisa realizada pelo poeta e pesquisador Eustáquio Gorgone de Oliveira (1949-2012), a argamassa utilizada pelo artista era composta de cimento, óleo de baleia, pedaços de tijolos, manilhas, cacos de telhas coloniais e francesas, além de cerâmica para os acabamentos. O óleo de baleia era utilizado tanto para dar liga à massa como para conferir impermeabilidade à água. Como não utilizava tinta, a coloração das obras era produzida por meio de pigmentos naturais. Produzia ou adaptava seus instrumentos de trabalho.
Bancos para o nosso jardim. O hábil cascateiro Sr. Francisco dos Reis está fazendo em os cantos e centro de nosso jardim público uns bancos de cimento armado, bancos de uma originalidade digna de nota. O primeiro que o distinto artista fez ao lado da Rua Te. Antonio foi oferta sua ao jardim, como uma recordação dos tempos que ali trabalhou. É um tronco de árvore, cahido, tendo a base carcomida, servindo de vaso, ao lado do assento e do confortável encosto. Essa dádiva despertou a curiosidade publica e os progressistas de nossa vila animaram-se. (A Folha Nova, 1921, Apud: MAGALHÃES, 2017, p.40)
Outra característica peculiar de Francisco da Silva Reis é a prática de assinar suas obras, diferente dos cascateiros de Portugal, uma vez que não foi encontrada lá até hoje uma obra assinada, mas semelhante aos rocailles franceses, que assinavam suas obras. As seguintes obras foram assinadas pelo artista, entre elas no mirante do parque das Águas de Caxambu e o coreto da Praça de Carmo de Minas.
Enfim, o trabalho do artista em Caxambu, muito visitada pela elite carioca, estimulou a difusão do trabalho nas outras cidades sul-mineiras, que ensejavam o mesmo padrão das rocailles difundidas na capital do país.
As obras do escultor naturalista confundem-se com a natureza e para isso, segundo a pesquisa realizada, o artista, grande admirador da natureza, ficava horas observando as árvores, pássaros e insetos na floresta que circundava a cidade; para depois tentar reproduzi-los figurativamente em suas obras.
Dessa forma, a natureza é vista como arte e sua reprodução instalada em cenas dos jardins e parques, passaram a aproximar a arte da jardinagem utilizando material vegetal, com formas e figurações complexas. Assim, obra de Chico Cascateiro, além de ter trazido um modelo paisagístico de Portugal e da Espanha, apropria-se de elementos da natureza tropical do sul de Minas Gerais para compor suas obras e a maioria delas encontra-se no Parque das Águas de Caxambu, onde o artista passou parte de sua vida brasileira.
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